O dia em que fui ao Cinema Indiano sem ir a Índia

O acesso aos bens culturais se amplia a partir da relação com as tecnologias de comunicação digital: o emissor é dispersado e o receptor também assume o papel de emissor. Jornais, televisão, revistas e, o nosso objeto em foco, o cinema, sofrem consideráveis transformações desde o modo de produção à circulação.

Gentino (2007, p.18) nos aponta a correlação do cinema com os avanços da ciência, da tecnologia e das artes ligados à indústria. Seguindo esta ideia, o aparecimento de novos artefatos tecnológicos implica, consideravelmente, novas formas na produção, circulação e exibição de filmes. E são esses dois últimos pontos que iremos aqui pensar e discorrer sobre como a Rede (do ponto de vista tecnológico) os modificam e modifica também a relação dos indivíduos com o cinema, pensado no aspecto físico.

Mas antes, precisaremos bater um papo meio ‘cabeção’ sobre as noções de real, virtual e da própria Rede. AH! E é claro, que precisaremos também de uma boa xícara de café.

Lembro-me de ter vivido a fase “pop” dos serviços provedores de internet: o irritante barulhinho da internet discada substituído pela maravilha da velocidade da banda larga. Nesse mesmo período, lembro de uma discussão (que particularmente me parece infindável, já que até hoje rola a treta) sobre o “real” e o “virtual”. Mas o que é real e o que é virtual? São contraditórios? A existência de um nega a existência do outro? Podemos pensá-los como objetos dissociados?

Em O que é o virtual? (2011, São Paulo), Pierre Lévy se refere ao virtual como algo que existe como realidade “reconhecível” e “re-apresentável”, mas que, em um movimento de desterritorialização, passa a existir como dimensão que não ocupa um local definido dentro de um espaço; um “lugar”, ainda que um lugar não totalizável. Também nos convida a pensar que o virtual não se opõe ao real, como muitas vezes pensamos, mas sim ao processo chamado atualização (LÉVY, 2011, Capítulo 1). Assim, desmanchamos a barreira débil que se interpõe entre o real e virtual: o real não é somente o que é tangível, palpável e nem o virtual se resume somente a “ilusão”; a interação se faz uma aliada nesse processo. Ela dá ao sujeito uma sensação de estar no lugar proposto, “validando” o virtual, embora o sujeito compreenda como realidades diferentes.

Ora, em meio a todo esse movimento real-virtual/virtual-real, precisamos então pensar como inserimos a Rede nesta viagem. É válido, entretanto, lembrar que a palavra “REDE” é polissêmica, nos inspirando cautela ao definir não apenas um conceito, mas entender a multiplicidade de seus conceitos e aplicabilidade. Aqui, a tomaremos como “conexão técnica”.

A rede não só se relaciona como modifica a organização do espaço-tempo, variável fundamental no movimento da economia global e nas relações sociais e culturais. Ela é uma “matriz espaço-temporal” (MUSSO, 2004): ela abre a limitação do espaço sem suprimi-la e sobrepõe um espaço sobre o território (captou a viagem? risos). Ela desterritorializa e reterritorializa. Tudo isso em um curto tempo pela velocidade da troca de informações.

“A rede, conexão técnica, é um reservatório sem fundo de metáforas para repensar o espaço-tempo, portanto o vínculo social, e anunciar a vinda de novos mundos.” (MUSSO, 2004, p.33)

Musso também aponta a rede como “prótese de utopia social”. Para ele, as tecnologias da comunicação ofertam rompimentos e cita a Internet como uma delas: o sonho de conexão universal, pelas redes de comunicação, que promete derrubar o sistema padrão e substituí-lo por um no tipo de relação igualitária. Mas o sweet dream esbarra na visão mercadológica que enxerga a força de um comércio mundializado, personalizado e disponível em casa. E nenhuma dessas vertentes a exime do aspecto político que a envolve.

Longe de desfazer a importância da localização, as redes (pensando agora em como plural ela pode ser) só fazem aumentá-la. Através de uma localização informacional reforça-se, contraditoriamente, a importância da localização geográfica. Os Sistemas de Informação Geográfica (S.I.G.) colaboram para uma mudança na relação com o território. E mais: combinam informação territorial com análise de dados estratégicos (econômicos, militares, sociais, etc.). “Reterritorialização de informações”, como expõe Weissberg (2004, p.119). O símbolo do tempo, o tempo cibernético, reduz o espaço mundial no que se diz respeito às distâncias. O espaço atual é um espaço global ligado à instantaneidade e imaterialidade das redes virtuais, onde circulam diferentes formas de fluxos. É da transterritorialidade global que novos símbolos fluem, assim como novas formas organizacionais, as novas formas de poder e gestão dos territórios e a nova realidade social. (‘Sacou?’)

sala de cinema indiano.jpg

“- Mas como todo esse papo ‘cabeça’, essa parada de rede e tal, tem a ver com o cinema?”

Respondo com o título que inicia este post. Ir ao cinema indiano sem nunca ter pisado os pés na Índia é fruto de toda essa  viagem que fizemos até esse momento. Distâncias quilométricas são reduzidas a bytes/megabytes. É virtual sem deixar de ser real. Podemos estar em qualquer lugar sem sair de casa. Podemos estar em qualquer cinema do mundo, assistindo a produções do circuito mundial, desde as pequenas às megas produções. O cinema indiano e seu “Bollywood” é consequência da quebra de barreiras que as redes nos propõe; a visibilidade para além de Hollywood é possível com a “explosão” que as redes nos permite.

Não precisamos mais, necessariamente, ir ao cinema (enquanto espaço físico), comprar um bilhete, escolher a melhor poltrona, comprar o combo master da pipoca com refri… (apesar de particularmente, adorar todo esse rito. Sou ‘romântica’. risos). Descentralizamos a distribuição e exibição. Podemos assistir o filme, qualquer filme, sem sair do conforto de nosso carismático sofá. O download, a qualidade, tudo vai depender de quantos MB têm a velocidade de nossa banda larga ou de achar o melhor link para Torrent. A circulação de um filme é instantânea e exibição (quase) que não encontra impedimentos. Todos podem ir ao cinema! Seja ele onde for.

Mas pensando “newtonianamente”: para toda ação existe uma reação, né verdade? Como esse novo modelo de circulação e exibição implicam no mercado cinematográfico? Até mesmo como modifica a sua produção? Será que realmente democratiza o acesso à sétima arte? Ou criamos uma sensação superficial que sim? Como os espaços-cinema estão se remodelando? As salas de exibição resistirão?  São algumas das questões que me vem e, talvez, a você também, querido Cinelover.

Mas isso, sem dúvida, já é uma outra viagem que nos exigirá mais uma xícara de café.

 

3 comentários em “O dia em que fui ao Cinema Indiano sem ir a Índia

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