O que há de Flusser em Matrix

Como segundo post meu, do blog e da semana, mantenho a pegada da análise fílmica de grandes obras do cinema e suas relações com a tecnologia ou os seus estudos. Se a primeira postagem remetia ao precursor dos efeitos especiais no cinema, Viagem À Lua, de Georges Méliès, este texto de agora debruça seu olhar sobre Matrix, o filme que revolucionou o cinema ao inovar estes efeitos visuais, ao ponto de ser um marco; uma obra determinante para as produções de ficção científica posteriores. Mas, aqui, veremos que ele vai muito além do sci-fi.

Para nos dar embasamento e impedir que percamos a direção – já que a obra das irmãs Wachowski permite uma rede filosófica partindo de Alice no País das Maravilhas, passando por Platão e o mundo das ideias e chegando em Aldous Huxley e seu admirável mundo novo -, resolvi apenas linkar o filme com o filósofo Vilém Flusser. Assim, veremos o que há de Flusser em Matrix.

Mas antes de embarcamos nessa viagem, você precisa escolher: qual pílula tomará?

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Se você escolheu a pílula vermelha, seja bem-vinda, Alice. Vamos juntos passear pelo País das Maravilhas.

Em seu livro “O mundo codificado” (só pelo nome já dá para ter uma ideia da proximidade entre os objetos), Flusser aborda a relação entre o homem e a tecnologia. E vai além: ele tenta desvendar as milenares tentativas de nossa raça em superar nossas limitações físicas através dos artefatos tecnológicos. Flusser, com sua visão positivista (por mais perigoso que seja entrar nestes méritos), vê o artefato e a imagem como princípios básicos da existência humana. A questão positivista é que, diferente de outros pensadores deste objeto, como McLuhan, Flusser propõe uma reflexão mais aberta para o pensamento humano.

Para simplificar

O homem sempre teve uma relação conturbada com a tecnologia. Entre tapas e beijos, nós admitimos a importância dela em nossa vida. Aliás, declaramos nosso amor em poesia concreta, condicionando a nossa existência ao simples fato de “saber fazer” (tekhné). Ou seja, o homem se entende como homem (ereto, civilizado, racional, capacitado) porque, lá atrás (muito atrás), desenvolveu habilidades práticas que o impulsionaram à evolução.

Dada esta dependência, chegamos ao ponto em que queremos estar sempre no centro do fazer poiético (poièsis). Assim, jamais aceitaríamos a ideia de não sermos dominantes pelas tecnologias (que são frutos de nossas atividades práticas). Crise no relacionamento. Passamos a desmerecê-la, dizemos tolices valorizando mais o nosso intelecto (que ela nos deu), como feito por Platão.

Então, chegamos ao moderno e ao pós-moderno. Aos tempos de revoluções tecnológicas, avanços científicos e crise do existencialismo humano. Ao momento onde os estudiosos, como McLuhan, criam o conceito de que as tecnologias (e suas áreas, como a comunicação, no caso) são a extensão humana. É aqui que Flusser e Matrix, então, nos dão outro ponto de vista. Ele afirmar  que “o homem é um animal não natural”. No filme, o mundo que conhecemos já acabou e somos todos um programa de computador.

Voltando ao assunto

É nessa simbiose, onde bio ciber coexistem, que se ampara a relação buscada neste texto. Neste entendimento em que somos cercados de códigos, já naturalizados em nossa existência. E na ideia do objetivo do mundo codificado, presente na obra de Flusser e em Matrix. Segundo Flusser, “o objetivo do mundo codificado […] é que esqueçamos que ele age como um tecido que esconde uma natureza sem significados”.

Não seria essa a essência apocalíptica de Matrix? Um filme que retrata a relação, aqui abordada, entre a máquina e o homem, e o medo deste em perder o controle e o domínio. Muito ainda há sobre Matrix, assim como muito ainda há sobre Flusser. Mas isto é o que há de Flusser em Matrix.

2 comentários em “O que há de Flusser em Matrix

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