O caminho para o novo cinema

Como em um roteiro de filme, a vida é feita de eventos (incidentes) que levam as pessoas (personagens) de um ponto A a um ponto B. Ou vice-versa. A diferença é que no primeiro, há regimento mais presente da teleologia. Isto certamente agrada àqueles que escolhem esperar pela intervenção divina – o acaso, ou destino – em suas vidas. No estudo do roteiro cinematográfico, aprendi que a lógica de ver a arte retratando a vida é, na verdade, a recíproca verdadeira. Portanto, convido-os a acreditar que a teleologia dos fatos – no caso, dos textos aqui publicados -, nos levou, não ocasionalmente, mas estrategicamente, a este momento.

Logo, vamos ao arremate. Começamos nossa jornada no primeiro degrau: Flusser e o conceito de artificialidade que arrebata as vísceras mais ingênuas. Suas sentenças, afiadas como navalhas, fazem corte seco na garganta ao dizer, por exemplo que “a comunicação humana é um artifício cuja intenção é nos fazer esquecer a brutal falta de sentido de uma vida condenada à morte” – nos realizando de que toda hora é a hora da morte. Mas foi dizendo que “o objetivo do mundo codificado é que esqueçamos que ele age como um tecido que esconde uma natureza sem significado”, que relacionamos Flusser  com o filme Matrix. Neste texto também lembramos dos conceitos de tekhné (saber fazer) e poièsis (fazer poiético), e apontamos para a relação do bio e do ciber – e o que de moderno e pós-moderno nessa análise.

Depois fizemos um belo apanhado do conceito de redes proposto por Pierre Musso. Ali seria, inclusive, o prelúdio temático para este texto. Enquanto lá fizemos alusão ao dia em que fomos ao Cinema Indiano sem ir a Índia, hoje falaremos do cinema na cibercultura e na recombinação cultural. Mas vale lembrar do que Musso nos disse:

“A rede, conexão técnica, é um reservatório sem fundo de metáforas para repensar o espaço-tempo, portanto o vínculo social, e anunciar a vinda de novos mundos.” (MUSSO, 2004, p.33)

Depois de lembrarmos o que é a rede na qual estamos tão imersos, voltemos ao último conceito a ser resgatado: o virtual, de Pierre Lévy. Virtual, para você que chegou agora, é aquilo que existe em potência, como as ideias. Logo, por não apresentar concretude, o virtual é desprendido da noção de tempo e espaço. Dentro deste vasto assunto, certamente nos afectamos pelos mais mirabolantes, como a realidade virtual. O entusiasmo foi tanto que até fizemos lista dos filmes que já trataram do assunto.

E assim chegamos até este post. Nele, se você percebeu, fizemos uma linha do tempo do surgimento de termos que serão recorrente a partir de agora, como ciber, rede e a noção de espaço-tempo. Isso porque o assunto, que se matura com os outros citados, é sobre a “Cibercultura como território recombinante“, texto do Professor Dr. André Lemos. Ele defende que a cibercultura, produto dessa sociedade da informação da era pós-massiva, é um território recombinante, visto que a cultura contemporânea está inserida em um contexto onde as novas mídias possibilitam a criação de um aldeamento e uma aglutinação de pessoas e ideias, que produzem e compartilham informações, reconfigurando a estrutura social e cultural a partir de novas práticas produtivas e recombinatórias.

Lemos aponta que apesar da “cultura contemporânea ser um território recombinante, a novidade não é tanto a recombinação em si, mas o seu alcance”. Ou seja, a cibercultura é o fenômeno que potencializa a recombinação que domina a cultura ocidental desde meados do século XX. Ela, no início do século XXI, “instaura uma estrutura midiática ímpar, na história da humanidade”: a que permite, por exemplo, que qualquer indivíduo munido das ferramentas necessárias para produzir, publicar compartilhar, colaborar e interferir, em rede, na informação que circulará, reconfigurando, assim, a indústria cultural (dos meios massivos). Este blog é um exemplo disto.

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Outro exemplo são as plataformas audiovisuais, como Youtube e Netflix. Na primeira, a noção de liberação do pólo de emissão (leia-se livrar-se das algemas dos grandes conglomerados da comunicação) é mais latente. Para fazer cinema, por exemplo, me basta um celular com câmera, uma ideia na cabeça e compartilha-la no site. Daí, a minha produção totalmente independente entra no mesmo “circuito” dos blockbusters hollywoodianos, pois entra na mesma rede, em condições tecnicamente democráticas de “competição”,  pois como lembra Lemos, “não basta emitir sem conectar, compartilhar”. A funcionalidade de todo esse fenômeno está na obtenção do alcance, de conectar pessoas: o significado de rede.

Isso é só para ilustrar a potência que era represada pelos meios massivos de comunicação – e/ou pela sua lógica de produção e circulação -, que se acostumara a ter controle do pólo de emissão. Pois outro fruto desta nova lógica implantada pela cibercultura é a Netflix. Assim como as novas plataformas de mídia, como blog e redes sociais, reconfiguraram os meios de comunicação massivos (TV, jornais, revistas, rádios), a empresa de streaming, fundada em 1997, reconfigurou toda a indústria do cinema. Seus impactos são expressivos. Antes vista apenas como um serviço que disponibilizava filmes on-line, compartilhando com seus usuários em mais de 190 países, agora se tornou uma forte produtora de filmes e séries.
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As discussões abordadas por Lemos em seu texto incluem a ideia de que as novas mídias alternativas entram em embate e em sintonia com as mídias corporativas de antigamente. É assim que se discute, inclusive, o lugar da Netflix. Em muitas premiações tradicionais do cinema ela ainda é vista com exclusão (por lançar seus filmes em sua plataforma de streaming, e não nos cinemas tradicionais), tendo seus filmes boicotados ou mesmo banidos de indicações e prêmios, como aconteceu com o longa Okja (Joo-Ho Bong, 2017), neste ano, em Cannes (saiba aqui). Outras discussões ainda surgem, e deverão, sim, ser comentadas. Afinal todas elas levam ao novo cinema.

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